Entrevista concedida pelo Presidente dos Amigos dos Açores - Associação Ecológica ao Jornal Diário Insular, publicada na sua edição de hoje.
Os Amigos dos Açores, a que preside, divulgaram uma nota indicando que as lagoas de S. Miguel desceram a níveis históricos. Quais poderão ser as consequências dessa situação?
A descida do nível de água das lagoas foi um indicador ambiental constatado numa visita de estudo, onde pessoas que conhecem as lagoas há várias décadas não se recordam de verificar tão baixo nível da água.
Pretendemos com o alerta divulgado, acima de tudo, espelhar o cenário de falta de água e não tanto a projecção de consequências, uma vez que a este nível ainda poderemos ter um papel activo, a poupança.
A descida do nível das lagoas está a generalizar-se nos Açores. Já analisaram a situação, apurando eventuais causas do fenómeno?
Segundo os dados oficiais existe uma alternância natural entre anos mais secos e anos mais chuvosos, que, aproximadamente, de década em década, marcam anos de seca acentuada. Esses dados apontam para que estejamos numa das épocas de menor pluviosidade das últimas três décadas, tendo-se inclusive registado dos mais secos meses dos últimos 30 anos, quando comparados com meses homólogos.
Poderão existir factos ligados às alterações climáticas, mas desconheço se serão significativos para tal situação.
Cinco ilhas estão a sofrer já de problemas de falta de água. Será apenas um fenómeno natural ou estará associado a problemas de gestão e planeamento?
Penso que é um conjunto de factores que determinam a actual falta de água.
A geografia e a hidrogeologia de algumas ilhas, por vezes condicionadas por más politicas de usos do solo que não permitem adequada retenção e recarga dos aquíferos. Por outro lado, problemas de gestão e planeamento como a falta de mecanismos de retenção de água superficial e as perdas dos sistemas de abastecimento.
Não menos grave é a falta de comportamentos responsáveis pelos cidadãos que continuam a entender a água como um recurso abundante. A água carece de uma outra abordagem por parte da sociedade açoriana, que possivelmente só se começará a efectivar quando a falta de água se sentir significativamente. Daí serem importantes os alertas que despertem consciências e que projectem alterações de comportamentos.
Justifica-se uma revolução no modelo de captação, armazenamento e distribuição de águas nos Açores?
Repare que, com tanto desenvolvimento tecnológico, continuamos a usar água potável para a generalidade das nossas actividades. Deixamos de ter hábitos de armazenamento e poupança existentes, por exemplo, há 50 anos. Veja-se, por exemplo, as cisternas que se encontram praticamente em desuso.
Se armazenássemos a água superficial e utilizássemos alguns efluentes poderíamos efectuar poupanças significativas de água potável, que além de cada vez mais escassa, tem importantes custos de produção e transporte.
A instituição de hábitos de consumo responsável e a minimização de perdas das redes de abastecimento seriam evoluções importantes para um consumo mais sustentável da água. Essa sustentabilidade não se verídica actualmente, uma vez que os actuais consumos estão a exceder a capacidade natural de recarga dos aquíferos.